Deus não nos dá aquilo que merecemos,
pelo contrário, dá-nos aquilo que não merecemos!
Depois de uma noite mal dormida e de sofrimento, de um amanhecer de humilhação e de tortura, Jesus foi conduzido para fora da cidade, ao “lugar chamado Calvário” (Lucas 23:33). Este era, provavelmente, um lugar cuja formação geológica tinha o aspeto de uma caveira. O relato do evangelista Marcos diz que eram 9 horas, “hora terceira” (Marcos 15:25), quando o pregaram na cruz. Diz ainda que o retiraram de lá, já depois das 15 horas, “hora nona” (Marcos 15:34, 42), ao cair da tarde, antes do pôr-do-sol. Certamente que foram mais de seis angustiantes horas pregado no madeiro. A crucificação era um castigo bárbaro, cruel e o mais sórdido de todos. Os condenados morriam lenta e dolorosamente, porém, os Evangelhos não dão ênfase ao tormento físico que Jesus suportou. O texto bíblico concentra-se no propósito da morte do Senhor.
Quando lemos a narrativa da crucificação de Cristo nos quatro Evangelhos, para além do desenrolar dos acontecimentos, chamam-nos à atenção as sete frases proferidas por Jesus enquanto permaneceu pregado. Três destas afirmações estão registadas em Lucas, outras três em João, e uma outra é referida por Mateus e Marcos. As palavras que o Senhor falou antes das três horas de trevas sobre a terra, acontecimento este que se deu entre as 12 e as 15 horas, encontram-se em Lucas 23:33-34, Lucas 23:43 e João 19:26-27. As palavras ditas no final das trevas estão em Mateus 27:46 e Marcos 15:34. As derradeiras palavras podem ser lidas em João 19:28, João 19:30 e Lucas 23:46.
Tudo o que Mestre disse na hora da Sua morte causou, e causa ainda hoje, um grande impacto na vida dos Seus discípulos. Poderíamos falar de cada uma destas frases, mas gostaríamos apenas de recordar aquela que se encontra em Lucas 23:34: “Pai, perdoa-lhes porque eles não sabem o que fazem”. Esta oração, feita não só em favor dos soldados romanos e dos judeus daquela altura, mas também em favor de todos aqueles que ainda hoje continuam a rejeitar Jesus e a não reconhecê-Lo como Salvador e Senhor das suas vidas, é uma tremenda demonstração do amor de um Deus misericordioso e gracioso.
Por um lado, a crucificação mostra toda a maldade humana, mas, por outro, revela a imensidão do amor de Deus. Aquilo que vemos na cruz é o amor de um Pai que dá o Filho Unigénito para a salvação de todo aquele que Nele crê (João 3:16), e o amor de um Filho que a Si mesmo se entregou, voluntariamente, pelos pecados da humanidade (Isaías 53:12; Tito 2:14). A crucificação aconteceu por causa do nosso pecado, mas principalmente porque o incomparável amor de Deus é infinito, profundo e, na verdade, excede todo o nosso entendimento (Romanos 5:6-8, Efésios 3:19).
“Pai… eles não sabem o que fazem”
Na hora da sua morte, o Mestre colocou em prática aquilo que sempre ensinou: “Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (Mateus 5:44). Olhando nos olhos daqueles que, enfurecidos, o queriam matar, Jesus dirigiu-se ao Pai pedindo que Ele não interviesse, que não manifestasse sobre eles a justiça divina, que não castigasse todos aqueles que o maltratavam. O Pai, que era um com o Seu Filho, com os laços mais estreitos e íntimos de amor, com quem partilhava tudo aquilo que Ele era, é, e sempre será, tinha toda a legitimidade para agir em defesa do seu amado Filho. A paternidade leva a cuidar e a proteger aquele que é filho. “Pai, eles não percebem o que estão a fazer. O pecado escureceu as suas mentes. O pecado endureceu os seus corações. Eles não conseguem discernir… por essa razão, agem desta maneira incorreta”. Foi desta forma que o Filho intercedeu junto do Pai. Jesus, ao ver aquela multidão, como fizera tantas outras vezes, compadeceu-se dela “porque eram como ovelhas sem pastor” (Isaías 53:6, Mateus 9:36), que caminhavam para um abismo, do qual, sem Deus nas suas vidas, não há retorno. O injuriado intercedeu pelos que o injuriavam, “não pagando mal por mal, injúria por injúria, pelo contrário, bendizendo…” (I Pedro 3:9). Em vez da revolta e do desejo de castigo para com aqueles que O maltratavam, Jesus rogou ao Pai o perdão para eles. Aquilo que o Mestre ensinou na oração do “Pai nosso”, em Mateus 6:12, sublinhando-o nos versículos 14 e 15, pôs em prática na cruz, lá no Gólgota (Isaías 53).
Ah! Como seria bom que aprendêssemos isto de uma vez por todas. No amor não há lugar para o ressentimento, para a ira, ou para o desejo de vingança. O amor leva ao perdão, e o perdão é melhor do que qualquer medicamento ou terapia, porque limpa e alivia o coração humano. O perdão é capaz de curar quem perdoa e quem se sente perdoado. O Apóstolo Paulo, tendo experimentado isto mesmo na sua vida, afirmou: “Revesti-vos, pois, (…) de ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade. Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente (…). Assim como o Senhor vos perdoou, assim também perdoai vós; acima de tudo isto, porém esteja o amor, que é vínculo da perfeição. Seja a paz de Cristo o árbitro em vosso coração, (…).” (Colossenses 3:12-17). Ou ainda como Estêvão, perante aqueles que o apedrejavam, ajoelhando-se, orou: “Senhor, não lhes imputes este pecado!” (Actos 7:60).
É o amor de Deus que traz o perdão ao pecador. É o facto de Deus ser misericordioso, que faz com que não recebamos aquilo que verdadeiramente merecemos: “Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor.” (Romanos 6:23). Em vez do castigo, da morte, Ele faz repousar sobre nós o seu amor gracioso, isto é, o perdão, a vida. Deus dá-nos aquilo que não merecemos: “Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, pela graça sois salvos” (Efésios 2:4-5).
Jesus morreu na cruz por causa do nosso pecado e pelo resultado que o pecado traz à nossa vida. O pecado afasta-nos de Deus e conduz-nos a uma perdição eterna. Cristo morreu para que nós fossemos perdoados e recebêssemos a salvação. O Cordeiro Pascal entregue por Deus para nos substituir na morte, Aquele que não tinha pecado, assumiu os nossos pecados para que pudéssemos ser perdoados e salvos. “Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fossemos feitos justiça de Deus.” (II Coríntios 5:21).
Esta oração, “Pai, perdoa-lhes porque eles não sabem o que fazem”, resume o imenso amor de Deus por nós, demonstrado na cruz por altura da Páscoa. O Deus da misericórdia e da graça não nos dá aquilo que merecemos, pelo contrário, Ele dá-nos aquilo que não merecemos. Assim, os pecados são perdoados, a dívida é perdoada, e a vida é dada a todo aquele que, com fé, crendo no poder do Deus que ressuscitou Cristo Jesus dentre os mortos, O aceita como Senhor e Salvador da sua vida.
Jaime Fernandes
(Publicado na revista "Lar Cristão - Páscoa 2021")